Sem corrermos o risco de cometer qualquer exagero, podemos dizer que a comunicação está para o terceiro setor como o oxigênio para os seres aeróbios. E temos a história para referendar o que, por outro lado, parece óbvio demais –-sem nunca, no entanto, termos conseguido atingir a contento em nossa prática diária.
Com base em nossa experiência de organização localizada nos recônditos do extenso território brasileiro, em plena região pantaneira (onde o pioneirismo se confunde com o abandono e o coronelismo, que reluta em dar lugar aos paradigmas do século 21), não hesitamos em reiterar que a comunicação, ao lado do conhecimento, são os instrumentos de afirmação da cidadania e daquilo que passou a se chamar de empoderamento, ao gosto da nova inteligentsia neoliberal.
A história de nossas comunidades (ribeirinhos, indígenas, caboclos, mestiços e bugres) é, aliás, a história da ausência de comunicação. Ou melhor, da ausência de um fluxo de informações capaz de proporcionar o protagonismo cidadão do qual as sociedades tradicionais se ressentem desde há muito, como herança do processo colonial, de triste memória.
Assim, os detentores (ou usurpadores) do poder sempre se serviram do controle da comunicação para assegurar a sua perpetuação no poder. Foi assim mais recentemente, quando da luta contra a ditadura, a consolidação das novas elites políticas pretensamente denominadas de democráticas, mas que nada devem na, digamos, arte da sonegação de informações aos fantoches do regime de arbítrio, com os quais, em verdade, estabeleceram uma relação promíscua, a despeito das alegadas diferenças de ordem ideológica.
Mas como o terceiro setor, então, poderia dar as balizas de um novo conceito de comunicação, a se contrapor com o monopólio da informação do poder provinciano e truculento em nossas comunidades, controladas a ferro e fogo pelo baronato caquético e anacrônico, que apenas sobrevive pela falta de vontade política dos setores da política precocemente acovardados?
Esse é o grande desafio que temos diante de nós. Ou ousamos romper as amarras de um passado encharcado de sangue e de opressão ao longo de nossa tacanha história de ocupação, ou sucumbimos definitivamente, como aqueles que nos antecederam, em nome de uma Nova República ou de um Brasil Novo. Para isso, nós mesmos temos de fazer uma grande transformação em nossa práxis: deixarmos de ver nosso parceiro como concorrente, dentro da lógica abismal de mercado, e passarmos a praticar a fraternal postura solidária que o terceiro setor foi abandonando à medida que os conceitos mercadológicos contaminaram seu horizonte.
Sem drama e qualquer exagero, o maior gargalo na comunicação entre nós e com os demais segmentos sociais é o medo de perdermos o hipotético controle de algo que, em verdade, nunca tivemos: o poder. Como exemplo eloqüente temos a rica experiência de mobilização daquilo que acabou ganhando o pomposo nome de controle social das políticas públicas, e que para os veteranos cidadãos dos movimentos sociais nada mais é que a utópica democracia participativa. Decorridos aproximadamente dez anos da implantação dos conselhos paritários e comitês gestores e de monitoramento, corremos hoje o risco de termos criado uma casta de conselheiros, cidadãos comuns que crêem candidamente que detêm o poder por se sentar em torno da mesa do poder. Armados de uma conduta muitas vezes excludente e de uma terminologia hermética, aqueles que deveriam ser nossos representantes acabam quase sempre se transformando em despachantes de interesses corporativos, bem distantes dos legítimos pleitos dos setores organizados da sociedade.
Mato Grosso do Sul, mesmo na condição de estado periférico, é pródigo no pioneirismo das tentativas bem-sucedidas do protagonismo cidadão, as quais, contudo, vêm correndo risco iminente do amesquinhamento, por conta do atavismo coronelista. Governado pelo Partido dos Trabalhadores desde 1999 (inicialmente numa coalizão que incluía partidos de esquerda, e que a partir de 2002 estreitou sua base política às relações do governador Zeca do PT com os velhos caciques da política estadual), o estado que detém a maior superfície territorial do Pantanal é atualmente caudatário de conchavos políticos, fato que põe à prova as importantes conquistas cidadãs no campo da institucionalização da participação pública na formulação e acompanhamento das políticas públicas –aquilo que os constituintes de 1988 chamaram de controle social (também conhecido como controle público ou controle cidadão).
Quer sejam os conselhos estaduais de políticas públicas sociais (como de saúde, de assistência social e dos direitos da criança e do adolescente), os de políticas públicas de desenvolvimento (como os conselhos regionais de desenvolvimento) ou os comitês das políticas públicas ambientais (gestores ou de monitoramento), para cuja legitimação o terceiro setor teve um papel estratégico inquestionável, todos eles hoje se encontrar num curioso dilema, produto sobretudo da ausência de comunicação (ou melhor, de um necessário fluxo de informações) capaz de fomentar o tão sonhado protagonismo cidadão. Resultado: reféns da baixa resolutividade de seus mandatos nos conselhos ou comitês, seus membros mais ousados tentam criar mecanismos que lhes assegurem um inimaginável direito prioritário para sua recondução quase automática, quando não defendem abertamente a prorrogação de mandato.
Os anos de 2002 e 2003 estão se caracterizando por serem os mais reveladores das iniciativas disso que poderá se transformar na mais nova corporação, que começa a querer substituir as autênticas mobilizações dos fóruns legítimos que, como plenária maior, os constituíram e os legitimaram. Dois conselhos estaduais, por exemplo, criaram verdadeiras aberrações (em afronta à legislação estadual, inclusive), como a de excluir os representantes de entidades que não tivessem “âmbito estadual”, no afã espúrio de cercear a participação de membros da sociedade civil sul-mato-grossense oriundos dos mais diferentes quadrantes de um estado que tem as dimensões do território da Bolívia ou do Paraguai, países com os quais, aliás, faz divisa. Não é outro, pois, o intuito deste despretensioso testemunho que o de provocar uma reflexão coletiva sincera sobre o papel da comunicação para a efetivação do controle social necessário: em vez de nos fecharmos nas redomas do poder ilusório e ficarmos reféns de articulações equivocadas, é hora de que, como atuais representantes do terceiro setor em nossas regiões, retomemos a iniciativa das mobilizações para, com total transparência e fidalguia, resgatarmos o histórico papel das transformações represadas ao longo de séculos de conjurações frustradas, inconfidências e traições políticas.
Com base em nossa experiência de organização localizada nos recônditos do extenso território brasileiro, em plena região pantaneira (onde o pioneirismo se confunde com o abandono e o coronelismo, que reluta em dar lugar aos paradigmas do século 21), não hesitamos em reiterar que a comunicação, ao lado do conhecimento, são os instrumentos de afirmação da cidadania e daquilo que passou a se chamar de empoderamento, ao gosto da nova inteligentsia neoliberal.
A história de nossas comunidades (ribeirinhos, indígenas, caboclos, mestiços e bugres) é, aliás, a história da ausência de comunicação. Ou melhor, da ausência de um fluxo de informações capaz de proporcionar o protagonismo cidadão do qual as sociedades tradicionais se ressentem desde há muito, como herança do processo colonial, de triste memória.
Assim, os detentores (ou usurpadores) do poder sempre se serviram do controle da comunicação para assegurar a sua perpetuação no poder. Foi assim mais recentemente, quando da luta contra a ditadura, a consolidação das novas elites políticas pretensamente denominadas de democráticas, mas que nada devem na, digamos, arte da sonegação de informações aos fantoches do regime de arbítrio, com os quais, em verdade, estabeleceram uma relação promíscua, a despeito das alegadas diferenças de ordem ideológica.
Mas como o terceiro setor, então, poderia dar as balizas de um novo conceito de comunicação, a se contrapor com o monopólio da informação do poder provinciano e truculento em nossas comunidades, controladas a ferro e fogo pelo baronato caquético e anacrônico, que apenas sobrevive pela falta de vontade política dos setores da política precocemente acovardados?
Esse é o grande desafio que temos diante de nós. Ou ousamos romper as amarras de um passado encharcado de sangue e de opressão ao longo de nossa tacanha história de ocupação, ou sucumbimos definitivamente, como aqueles que nos antecederam, em nome de uma Nova República ou de um Brasil Novo. Para isso, nós mesmos temos de fazer uma grande transformação em nossa práxis: deixarmos de ver nosso parceiro como concorrente, dentro da lógica abismal de mercado, e passarmos a praticar a fraternal postura solidária que o terceiro setor foi abandonando à medida que os conceitos mercadológicos contaminaram seu horizonte.
Sem drama e qualquer exagero, o maior gargalo na comunicação entre nós e com os demais segmentos sociais é o medo de perdermos o hipotético controle de algo que, em verdade, nunca tivemos: o poder. Como exemplo eloqüente temos a rica experiência de mobilização daquilo que acabou ganhando o pomposo nome de controle social das políticas públicas, e que para os veteranos cidadãos dos movimentos sociais nada mais é que a utópica democracia participativa. Decorridos aproximadamente dez anos da implantação dos conselhos paritários e comitês gestores e de monitoramento, corremos hoje o risco de termos criado uma casta de conselheiros, cidadãos comuns que crêem candidamente que detêm o poder por se sentar em torno da mesa do poder. Armados de uma conduta muitas vezes excludente e de uma terminologia hermética, aqueles que deveriam ser nossos representantes acabam quase sempre se transformando em despachantes de interesses corporativos, bem distantes dos legítimos pleitos dos setores organizados da sociedade.
Mato Grosso do Sul, mesmo na condição de estado periférico, é pródigo no pioneirismo das tentativas bem-sucedidas do protagonismo cidadão, as quais, contudo, vêm correndo risco iminente do amesquinhamento, por conta do atavismo coronelista. Governado pelo Partido dos Trabalhadores desde 1999 (inicialmente numa coalizão que incluía partidos de esquerda, e que a partir de 2002 estreitou sua base política às relações do governador Zeca do PT com os velhos caciques da política estadual), o estado que detém a maior superfície territorial do Pantanal é atualmente caudatário de conchavos políticos, fato que põe à prova as importantes conquistas cidadãs no campo da institucionalização da participação pública na formulação e acompanhamento das políticas públicas –aquilo que os constituintes de 1988 chamaram de controle social (também conhecido como controle público ou controle cidadão).
Quer sejam os conselhos estaduais de políticas públicas sociais (como de saúde, de assistência social e dos direitos da criança e do adolescente), os de políticas públicas de desenvolvimento (como os conselhos regionais de desenvolvimento) ou os comitês das políticas públicas ambientais (gestores ou de monitoramento), para cuja legitimação o terceiro setor teve um papel estratégico inquestionável, todos eles hoje se encontrar num curioso dilema, produto sobretudo da ausência de comunicação (ou melhor, de um necessário fluxo de informações) capaz de fomentar o tão sonhado protagonismo cidadão. Resultado: reféns da baixa resolutividade de seus mandatos nos conselhos ou comitês, seus membros mais ousados tentam criar mecanismos que lhes assegurem um inimaginável direito prioritário para sua recondução quase automática, quando não defendem abertamente a prorrogação de mandato.
Os anos de 2002 e 2003 estão se caracterizando por serem os mais reveladores das iniciativas disso que poderá se transformar na mais nova corporação, que começa a querer substituir as autênticas mobilizações dos fóruns legítimos que, como plenária maior, os constituíram e os legitimaram. Dois conselhos estaduais, por exemplo, criaram verdadeiras aberrações (em afronta à legislação estadual, inclusive), como a de excluir os representantes de entidades que não tivessem “âmbito estadual”, no afã espúrio de cercear a participação de membros da sociedade civil sul-mato-grossense oriundos dos mais diferentes quadrantes de um estado que tem as dimensões do território da Bolívia ou do Paraguai, países com os quais, aliás, faz divisa. Não é outro, pois, o intuito deste despretensioso testemunho que o de provocar uma reflexão coletiva sincera sobre o papel da comunicação para a efetivação do controle social necessário: em vez de nos fecharmos nas redomas do poder ilusório e ficarmos reféns de articulações equivocadas, é hora de que, como atuais representantes do terceiro setor em nossas regiões, retomemos a iniciativa das mobilizações para, com total transparência e fidalguia, resgatarmos o histórico papel das transformações represadas ao longo de séculos de conjurações frustradas, inconfidências e traições políticas.
Ahmad Schabib Hany -- fundador da Organização de Cidadania, Cultura e Ambiente (OCCA) e membro da secretaria-executiva do Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário (FORUMCORLAD)
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