sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

MOÇÃO DE SOLIDARIEDADE AO SENHOR CÔNSUL ENRIQUE GARRÓN RUIZ

Moção de solidariedade ao Senhor Cônsul Enrique Garrón Ruiz

Os cidadãos subscritos, representantes de entidades e de setores organizados da sociedade civil, presentes à reunião extraordinária do Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário (FORUMCORLAD), no dia 8 de janeiro de 2010, na sede do Centro Boliviano-Brasileiro 30 de Março, em Corumbá (MS), manifestam sua solidariedade irrestrita e incondicional ao Senhor Ministro Enrique Garrón Ruiz, Cônsul da República da Bolívia em Campo Grande (MS), membro do serviço diplomático do país irmão alvo das rotineiras humilhações perpetradas sistematicamente pela maioria dos policiais das diferentes instituições contra cidadãos bolivianos que utilizam a BR-262 entre Corumbá e Campo Grande e cujo deplorável episódio ganhou destaque em diversos meios de comunicação por se tratar de uma situação bizarra, pois, depois de sofrer constrangimento pela inusitada abordagem, mesmo havendo-se identificado, terminou detido nas dependências da Polícia Federal em Corumbá, sujeito a pagamento de fiança e a processo judicial.

Corumbá tem sido, nos últimos trinta dias, palco de uma preocupante recaída de práticas policiais abolidas com a instauração do Estado Democrático de Direito preconizado pela Constituição Federal de 1988, sobretudo por funcionários estaduais vinculados ao setor de segurança pública, por meio de ações de impacto pirotécnico mas de questionável efeito prático, pois a violência e a acintosa atuação do crime organizado permanecem incólumes, enquanto cidadãos de bem são submetidos a tratamento degradante, num flagrante atentado aos mais elevados valores universais, ratificados pela Carta das Nações Unidas em 1948, com a Declaração dos Direitos Humanos. Episódios como o da criminalização de fatos circunstanciais em faixa de fronteira merecem o veemente repúdio dos setores organizados da sociedade e das altas autoridades constituídas em nível nacional, sob pena de se verem reintroduzidas condutas fascistóides que não coadunam com o novo momento vivido pela sociedade latino-americana e a própria globalização das relações humanas.

Um dos mais longevos centros urbanos do estado, Corumbá é a expressão eloqüente da conquista, pela sociedade local, de um entreposto mercantil no pós-guerra de 1870, com a decretação do status de Porto Livre durante cinco anos como reparação dos danos sofridos com os conflitos bélicos do Prata. Fruto dessa corajosa iniciativa imperial, o coração do Pantanal é até hoje uma sociedade de cosmopolitismo vívido, e não por acaso há mais de sete anos é sede do Festival América do Sul, cuja razão de ser é o incentivo do turismo de eventos para a diversificação e o fortalecimento da economia local, por meio da integração latino-americana, do resgate da identidade cultural dos povos que formam o continente sul-americano e sobretudo do reconhecimento da fraternidade entre estes povos de história e cultura similares.

Sob a generosa coordenação do Bispo Emérito de Corumbá, Dom José Alves da Costa, no período de 1995 a 1999, diversos setores da sociedade organizada de Corumbá e Ladário construíram uma agenda política com o objetivo de equacionar questões de fronteira, mas que acabaram engavetadas na burocracia das instâncias administrativas de então. Diante da permanência do quadro de abuso de autoridade e da falta de políticas públicas efetivas, sobretudo em nível estadual, para a superação destes óbices para o desenvolvimento harmônico e fraternal desta fronteira histórica e emblemática para a integração continental, resgatam-se as seguintes propostas do Pacto Pela Cidadania (elaboradas em agosto de 1998), a serem implantadas no âmbito da sociedade civil dos dois lados da fronteira Brasil-Bolívia: a) instalação da Câmara Bilateral de Direitos Humanos e Cidadania (constituída de representantes de entidades da sociedade civil), como espaço de interlocução não governamental para dirimir questões locais e apresentar propostas para as autoridades nacionais; b) com a parceria do Fórum Estadual de Direitos Humanos e de entidades congêneres, a criação urgente de Centro de Defesa de Direitos Humanos em nível local, de modo a zelar pela observância rigorosa dos direitos inerentes à pessoa humana vigentes há mais de seis décadas mas que ainda nesta fronteira não passam de ficção, e c) a abertura de novos canais de interlocução cidadã, mediante a participação de parlamentares comprometidos com os interesses de cidadania, visando a retomada da luta pela implantação, em nível regional, da Área de Livre-Comércio de Corumbá e Ladário, cujas demandas foram abandonadas nos meandros do Congresso Nacional por parlamentares que obtiveram votos na região mas que não corresponderam com a confiança e a expectativa depositada.

Assim, com a inarredável fé nos mais elevados valores universais do convívio harmonioso, fraterno e em respeito à dignidade humana, os signatários deste manifesto cidadão conclamam as autoridades locais a cerrarem fileiras na efetivação desta agenda política não partidária e fraternal, tão-somente voltada para os reais interesses de expressiva camada da população fronteiriça, cuja história é única, tal como a sua própria vida, de concórdia e de cooperação recíproca, inúmeras vezes comprovada.

Corumbá (MS), 8 de janeiro de 2010.

Secretaria-Executiva do FORUMCORLAD

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Sustentabilidade em alta onde a renda é baixa

Comunidade de baixa renda prova que iniciativas sustentáveis são para todos os bolsos.
Por Ana Carolina Amaral*
O último teste comprovou limpeza de 98,9% na água que sai do tratamento de esgoto da Emaús, em Ubatuba – SP. A comunidade nasceu em 1990 para atender dez famílias carentes da cidade, por iniciativa do ex-menino de rua Jorge Oliveira, hoje com 55 anos. Sem apoio do governo municipal para implantação da rede de saneamento básico, hoje a Emaús prova que sustentabilidade pode ser uma solução cultural, social e econômica.
"A comunidade cresceu já no primeiro ano e as fossas sépticas não deram conta, virou um esgoto a céu aberto", conta Jorge. Como o governo não se interessou em mudar a situação de uma comunidade sem carteira de identidade ou título de eleitor, Jorge procurou o contato do prof. Dr. Enéas Salati, pesquisador das wetlands construídas – sobre o projeto, Jorge havia lido numa revista.
Wetlands construídas são tanques que imitam as wetlands naturais, áreas inundadas onde plantas aproveitam nutrientes dissolvidos e modificam a qualidade da água. Salati criou diversas modalidades para o tratamento de esgoto e, como teste, aceitou doar o projeto para Emaús.
O esgoto gerado pelas 27 famílias, cerca de 150 pessoas, é tratado em uma estação com dois tanques e uma caixa de passagem (depósito do esgoto). Primeiramente o esgoto passa por um cano com furos em meio de um solo filtrante (terra preparada com brita dos tipos 1, 2 e 3). Só essa etapa já separa 30% das impurezas, segundo o professor Salati. Os resíduos seguem para tanques com plantas aquáticas, como os aguapés. O último tanque abriga tilápias, que evitam larvas de mosquito como a Dengue e provam a limpeza eficiente da água.
Há 14 anos, são 600 m2 que a comunidade usa para saneamento, criação de peixes, produção de esterco e de adubo. As podas do aguapé vão para uma composteira, virar adubo das hortas e pomares. As folhas do mesmo aguapé são aproveitadas em todo o esterco produzido para as criações de porco e galinha.
"Não somos miseráveis, temos que enfrentar o dia-a-dia e buscar nossa liberdade". É assim que Jorge incentiva a comunidade carente a não esperar assistências e se aproximar do conceito de auto-sustentabilidade. Para o biólogo do Instituto Socioambiental (ISA), Cesinha Pegoraro, "a Emaús é um excelente exemplo de que a sustentabilidade ambiental é economicamente viável e também ajuda problemas sociais."
Voluntário em articulações de projetos da Emaús, Rui Alves Grilo acredita no sucesso do tratamento local de esgoto como solução para o saneamento da cidade. Ele alega que a SABESP não acompanhou o crescimento de Ubatuba, onde a ocupação irregular de terrenos e o desrespeito às características naturais do solo dificultam o planejamento e a infra-estrutura. "A Emaús é uma comunidade carente cuja organização serve de exemplo para os planos da cidade", conclui Grilo.
Já o ex secretário de Arquitetura e Urbanismo de Ubatuba, Ary Jardim de Azevedo, acredita que o saneamento de Ubatuba é um problema complexo, que vai além da ocupação irregular e do turismo. "Nossa cidade apresenta áreas muito baixas, em que o esgoto deveria ser bombeado, enquanto outras regiões tem seu lençol freático muito próximo à superfície. Precisamos de um trabalho delicado", argumenta Azevedo. Ele também aposta na iniciativa da Emaús como um caminho para a solução. Excluídos de uma urbanização caótica, essas famílias mostram o caminho social, econômico, cultural – e urgente - da sustentabilidade.

* Ana Carolina Amaral cursa o 3º ano de Jornalismo na Universidade Estadual Paulista UNESP e é voluntária em movimentos ambientais desde 2000.

(Envolverde/O autor)

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Num dia histórico, Corumbá se uniu à indignação internacional para manifestar sua solidariedade às vítimas dos carniceiros de Gaza

No mesmo dia em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi hipotecar seu apoio às reformas promovidas por seu colega boliviano, o presidente Evo Morales, na localidade fronteiriça de Arroyo Concepción (distante cinco quilômetros do perímetro urbano de Corumbá) – que, no fatídico mês de maio de 2008, fora palco da intolerância de uma bizarra (sic) juventude cruceñista com indisfarçável vocação nazi-fascista –, o coração do Pantanal se somou à corrente solidária internacional, ao som de Joan Baez, Ivan Lins, Mercedes Sosa, Milton Nascimento, Elis Regina, Ney Matogrosso, Clara Nunes, Geraldo Vandré, Beth Carvalho e Chico Buarque. A mesma indignação contra mais um massacre ao povo palestino, manifestada pelos dois mandatários horas antes no palanque montado à beira da futura rodovia Corumbá – Santa Cruz (em vias de ser concluída pelo governo boliviano, com o indispensável apoio do governo brasileiro), aproximadamente três centenas de cidadãos das mais diversas origens, classes sociais, etnias, profissões, credos e nacionalidades participaram irmanados na esperança de ver triunfar a justiça para assegurar a tão sonhada paz duradoura na região que considerada berço da humanidade.
Apesar do sol causticante e da temperatura beirando os quarenta graus, pouco a pouco a praça foi sendo tomada por pessoas anônimas, conhecidas e personalidades que atenderam ao convite e faziam questão de explicitar sua solidariedade às vítimas da prepotência que hoje atende pelo binômio Bush - Peres. A comerciária Fernanda Taques, sobrinha do incansável jornalista Luiz Taques (detentor de dois invejáveis prêmios no campo dos direitos humanos), foi das primeiras a chegar e fez questão de vestir uma camiseta de sua denominação religiosa, a Primeira Igreja Batista de Corumbá. Do alto de seus bem vividos setenta e cinco anos, o vendedor ambulante Raimundo Nonato dedicou sua tarde à prática da cidadania, explicando que, como filho de retirante nordestino chegado na década de 1950 ao então próspero entreposto comercial do Prata, não poderia se furtar a manifestar sua indignação contra o absurdo de ver uma nova versão do pequeno Davi contra o gigante Golias, num papel inversamente protagonizado pelos que, quando menino, eram mostrados como vítimas do nazismo que tomara conta de boa parte da Europa. Com essa mesma sabedoria e discrição, o Padre Pascoal Forin, vigário da Paróquia de São João Bosco e coordenador do Pacto Pela Cidadania e do Comitê de Corumbá e Ladário da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, deu sua generosa participação, durante o breve momento em que uma leve garoa refrescou os manifestantes como que a natureza também deixasse seu tributo àquela ação cidadã – uma bênção divina, nas sábias palavras do querido sacerdote salesiano oriundo do norte da Itália.
Militante do movimento negro e dirigente carnavalesco, Edimir Abelha Moraes, irmão do reconhecido jornalista Edson Moraes (protagonista de memoráveis reportagens-denúncia contra a tortura em plena ditadura), não só fez questão de ajudar na organização como arregimentou companheiros do movimento social, como dirigentes comunitários e membros de religiões de matriz africana. Por seu turno, o presidente do Centro Boliviano-Brasileiro Trinta de Março, Andrés Menacho, desdobrou-se entre a mobilização de seus conterrâneos para a recepção ao presidente Evo Morales e a distribuição de correspondência às autoridades de seu país para participar-lhes da mobilização em solidariedade às vítimas do massacre de Gaza. Sem qualquer constrangimento, para Menacho, a menção feita pelos dois presidentes ao drama do povo palestino tem a ver com o seu trabalho de beija-flor. Dirigente histórico do PT em Corumbá, o ativista cultural e filho de pais bolivianos Arturo Castedo Ardaya justificou a postura clara de seu partido em favor do povo palestino e contra todas as formas de opressão. Também descendente de boliviano, o professor e dirigente sindical Marco Antônio Monje dedicou sua visita à sua terra para ajudar na organização da manifestação e a organização junto aos meios de comunicação da capital do estado, deixando clara a posição de seu partido, o PSTU, que dedicou o programa nacional ao povo palestino – não sem cobrar dos governos latino-americanos posições como a dos presidentes Evo Morales e Hugo Chávez. Quanto ao PSOL, cujo dirigente local, Anísio Guilherme da Fonseca, sindicalista ferroviário e graduando em geografia, é da etnia guató – o povo canoeiro do Pantanal –, encarregou-se de levar a solidariedade no papel de quem já provar sua origem, como de seu povo, que passou décadas a fio para convencer a FUNAI nos tempos da ditadura para desmentir que se tratava de uma etnia extinta por decreto. Os legislativos de Corumbá e de Ladário se fizeram representar à altura, com pronunciamentos dignos de reconhecimento público. Coube ao recém-empossado prefeito de Ladário, professor José Antônio Assad e Faria, encerrar o ato público, de modo didático e esclarecedor: explicou o drama humano da população de Gaza ao comparar as dimensões de seu território às de seu município, observando que sua população é o dobro da população de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul – além de contextualizar o valor da cultura árabe e suas generosas contribuições no campo das ciências, das artes, das letras e sobretudo da paz, como descendente de árabe que é. O prefeito Ruiter Cunha de Oliveira, de Corumbá, foi representado pelo secretário Carlos Porto, ligado aos movimentos populares, em cuja fala justificou sua ausência por haver acompanhado as comitivas presidenciais ao aeroporto.
Há que se observar que o comércio local deu uma prova inequívoca de solidariedade, tendo fechado as portas em respeito ao ato público, com a afixação de cartazes e faixas pretas em sinal de luto pelo milhar de mártires que, dia após dia, não pára de crescer. Desde a pioneira passeata em memória dos mártires de Sabra e Chatila (de 1982), em torno de 15 manifestações públicas já foram realizadas no contexto do genocídio palestino, libanês e iraquiano, mas é indiscutível o nível de engajamento tão diverso e eclético como o da passeata do dia 15 (ainda que outras já tenham mobilizado um número maior de participantes). E queridos Companheiros de solidariedade, durante esta mobilização, foram sendo lembrados – tais como o historiador Valmir Batista Corrêa (autor, como vereador na década de 1980, da lei municipal que instituiu o Dia Municipal de Solidariedade ao Povo Palestino, observado em 29 de novembro, a exemplo da resolução da ONU com mesmo objetivo), o internacionalista recifense Miguel Anacleto Júnior (fundador do IBASP e membro-correspondente do Comitê de Solidariedade ao Povo Palestino de Corumbá, fundado em 27 de novembro de 1987), o ex-dirigente sindical ferroviário Manoel do Carmo Vitório (o primeiro coordenador do Comitê de Solidariedade por diversos anos), a biblioteconomista e professora universitária Lena Mello (competente organizadora da Primeira Mostra da Cultura Árabe, que perdurou por longos quatro meses no interior da Biblioteca Estadual da Casa de Cultura de Corumbá, entre julho e novembro de 1987) e o sociólogo Lejeune Mirhan Xavier (contemporâneo de movimento estudantil, inclusive na mobilização para o Congresso de Reconstrução da UNE em 1979, em Salvador, o primeiro posterior à repressão do de Ibiúna, interior de São Paulo – cuja linguagem contundente, na época, por meio de uma carta enviada desde Campinas, provocou um mal-entendido entre alguns dirigentes estudantis sul-mato-grossenses, supostamente melindrados com risco iminente de delações e atos de provocação, afinal a aterradora sombra do Cabo Anselmo e outros do gênero ainda pairava na memória coletiva da juventude politizada de então).
Já foi dito, algum tempo atrás, que a dimensão da dignidade de um povo é aquilatada pelo seu nível de autodeterminação. O coração do Pantanal, pois, mais uma vez respondeu à altura de seu cosmopolitismo centenário. Sem risco de incorrer em qualquer leviandade, pôde-se constatar que na manifestação do dia 15 em Corumbá não faltou ninguém – respeitando e lamentando a ausência involuntária dos que não tiveram condições de participar “de corpo presente”, mas que estavam representados pelos participantes. Obviamente, não dá para não mencionar, ainda que brevemente, como reconhecimento público, o(a)s incansáveis militantes da causa palestina de todos os tempos em Corumbá: Omar Fares, Adnan Haymour, Nasser Safa Ahmad, Riad Ale Hamie, Said Mohamad Said, Nail Abdel, Nidal Mohamad, Murad Abdel, Monder Safa, Yahya Mohamad Omar, Antar Mohamad, Zacaria Yahya Omar, Ziad Ibrahim, Ale Hamie, Ahmad Saleh, Najeh Mustafá, Ahmad Hamie e Mohamad Garib (residentes em Corumbá); Nasser Rachid, Jadalah Safa, Rauhi Murra, Juma Rachid, Abla Issa, Yasser Rachid, Kaplan Hamdan, Taha Omar e Fátima Rachid (residentes em outras cidades); Mohamad Said, Soubhi Issa Ahmad, Mahoma Hossen Schabib e Luiz Khamis (falecidos).
Assim reza o poema-canção de Pablo Milanês (em versão para o português de Chico Buarque): “A história é um carro alegre, cheio de povo contente, que atropela indiferente aquele que tentar impedi-lo... O que brilha com luz própria ninguém o pode apagar, seu brilho pode alcançar a escuridão de outras coisas...”
Para concluir, a consigna do Comitê de Solidariedade ao Povo Palestino de Corumbá (adotada em 1987), com base numa obra exposta na Primeira Mostra da Cultura Árabe de Corumbá (atual como nunca), uma das palavras-de-ordem na passeata do dia 15: A paz mundial começa na Palestina!
Ahmad Schabib Hany
Pelo fim do massacre em Gaza!
A humanidade vem testemunhando com perplexidade a guerra de extermínio contra a população de Gaza (Palestina ocupada), diante da covarde omissão dos organismos internacionais, incondicionalmente ao lado dos poderosos interesses da indústria de armas e do petróleo e seus tentáculos pelo mundo.
O governo dos Estados Unidos e seus aliados fazem de conta que advertem o covarde governo de Israel, que usa as mais modernas armas militares contra uma população indefesa que sequer pode usar velhas espingardas. Em nome de uma cínica e bizarra segurança interna violam convenções internacionais e resoluções das Nações Unidas, sem qualquer sinal de retaliação do Conselho de Segurança – aliás, seu maior aliado desde a criação da ONU, em 1945 (tanto é que três anos depois dividiram a Palestina milenar e propiciaram condições políticas apenas para instalar o Estado de Israel, em detrimento dos direitos do povo palestino, condenado a viver como párias em sua própria terra). Por muito menos, o Iraque e o Líbano foram destruídos pelas descomunais tropas assassinas de George Bush, misto de Hitler e Pinochet a serviço da intolerância.
Em respeito aos mais elementares direitos humanos (nunca observados para a população palestina) e aos mais altos valores éticos construídos ao longo de milênios pela espécie humana, unimos nossa voz e nossa indignação pelo imediato cessar-fogo em toda a região e a instalação de um tribunal internacional para julgar por crime de lesa-humanidade os criminosos de guerra Shimon Peres, George W. Bush e demais aliados. Pelo respeito à vida e à autodeterminação dos povos, com soberania e dignidade. A paz mundial começa na Palestina!
Corumbá (MS), 15 de janeiro de 2009.

COMITÊ CORUMBÁ PELA PAZ (corumbapelapaz@gmail.com) – Integrado pelas seguintes entidades: Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário – FORUMCORLAD (forumcorlad@gmail.com), Pacto Pela Cidadania – Movimento Viva Corumbá (pactopelacidadania@gmail.com), Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida (acaocidadaniacorlad@gmail.com), Organização de Cidadania, Cultura e Ambiente – OCCA (occapantanal@gmail.com), Centro Brasileiro-Boliviano 30 de Março (cebolbras@gmail.com), Coordenação Nacional de Lutas – CONLUTAS (www.conlutas.org.br), Instituto de Mulheres Negras do Pantanal – IMNEGRAS (imnegras@gmail.com), Associação de Moradores do Bairro Universitário (asmorbaiun@gmail.com), Associação Comunitária de Cultura e Esporte de Corumbá (accescor@gmail.com) Sociedade Beneficente Muçulmana de Corumbá – SOBEMCO (sobemco@gmail.com), Liga Árabe-Brasileira de Corumbá (liga.arabe@gmail.com) e Sociedade Árabe-Palestino-Brasileira de Corumbá (soarpalbra@gmail.com).

¡Por el fin de la masacre en Gaza!
La humanidad atestigua perpleja a la guerra de exterminio contra la población de Gaza (Palestina ocupada), ante la cobarde omisión de los organismos internacionales, incondicionalmente al lado de los poderosos intereses de la industria de armamento y del petróleo con sus tentáculos por todo el mundo.
El gobierno de los Estados Unidos y sus aliados disimulan falsas advertencias al cobarde gobierno de Israel, que usa las más modernas armas militares contra una población indefensa que ni siquiera pode usar viejas escopetas. En nombre de una cínica y bizarra seguridad interna violan convenciones internacionales y resoluciones de las Naciones Unidas, sin cualquier señal de retaliación del Consejo de Seguridad – su mayor aliado desde la creación de la ONU, el 1945 (que tres anos después dividieron la Palestina milenaria y propiciaron condiciones políticas apenas para instalar al Estado de Israel, en perjuicio de los derechos del pueblo palestino, condenado a vivir como parias en su propia tierra). Por mucho menos, el Irak y el Líbano fueron destruidos por las descomunales tropas asesinas de George Bush, mezcla de Hitler y Pinochet al servicio de la intolerancia.
En respeto a los más elementales derechos humanos (jamás observados hacia el pueblo palestino) y a los más altos valores éticos construidos a lo largo de miles de años por la especie humana, unimos nuestra voz y nuestra indignación por el inmediato cese de fuego en toda la región y la instalación de un tribunal internacional para juzgar por crimen de lesa-humanidad a los criminales de guerra Shimon Peres, George Bush y demás aliados. Por el respeto a la vida y a la autodeterminación de los pueblos, con soberanía y dignidad. ¡La paz mundial comienza en Palestina!
Corumbá (Brasil), 15 de enero de 2009.

COMITÉ CORUMBÁ POR LA PAZ (corumbapelapaz@gmail.com) – Integrado por las siguientes entidades: Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário – FORUMCORLAD (forumcorlad@gmail.com), Pacto Pela Cidadania – Movimento Viva Corumbá (pactopelacidadania@gmail.com), Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida (acaocidadaniacorlad@gmail.com), Organização de Cidadania, Cultura e Ambiente – OCCA (occapantanal@gmail.com), Centro Brasileiro-Boliviano 30 de Março (cebolbras@gmail.com), Coordenação Nacional de Lutas – CONLUTAS (www.conlutas.org.br), Instituto de Mulheres Negras do Pantanal – IMNEGRAS (imnegras@gmail.com), Associação de Moradores do Bairro Universitário (asmorbaiun@gmail.com), Associação Comunitária de Cultura e Esporte de Corumbá (accescor@gmail.com) Sociedade Beneficente Muçulmana de Corumbá – SOBEMCO (sobemco@gmail.com), Liga Árabe-Brasileira de Corumbá (liga.arabe@gmail.com) e Sociedade Árabe-Palestino-Brasileira de Corumbá (soarpalbra@gmail.com).

domingo, 28 de dezembro de 2008

AOS 60 ANOS DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Este é um dia memorável. Sessenta anos atrás, precisamente no dia 10 de dezembro de 1948, a Assembléia-Geral das Nações Unidas proclamava a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mais que um documento emanado três anos depois da grande tragédia que se abateu sobre a humanidade – a Segunda Guerra Mundial (triste momento da história que envergonha a espécie humana na face da Terra: Hiroshima, Nagasaki, Auschwitz, Deir Yassin etc.) –, trata-se de um pacto contra a barbárie, um brado pela Vida, uma declaração de amor pela humanidade, um conjunto de princípios éticos pela evolução da espécie humana, uma carta de compromisso com as futuras gerações.
É bem verdade que nestes 60 anos muitas tragédias iguais ou até piores foram cometidas com a participação direta dos governos das maiores potências militares e econômicas da história. Até parece que os poderosos e gananciosos não aprenderam a lição, nem com o martírio de milhões de seres humanos (em sua maioria inocentes e indefesos que tiveram sua Vida, seus sonhos e seus direitos cerceados impunemente)...
Não por acaso, no senso-comum disseminou-se o preconceito sobre os destemidos defensores destes princípios universais. Até bem pouco tempo, era comum atribuírem a eles “culpas” por supostos “prejuízos” contra o desenvolvimento, por hipotéticos “atos de sabotagem” contra a pátria, por delirantes “conspirações” contra a segurança nacional. Esse discurso anacrônico e descabido ainda ecoa, de modo velado, entre os saudosos da intolerância, dos facínoras travestidos de democratas da grande noite que se abateu por toda a nossa pobre América Latina...
Mas os valorosos praticantes dos princípios sagrados da grande fraternidade constituída pelos lutadores pelos Direitos Humanos em todo o mundo não se acovardaram. Pelo contrário, multiplicaram seus seguidores, a despeito da covarde ameaça que sempre existiu contra eles, e, como nós, aqui e agora, em todos os lugares do planeta, se encontram num grande congraçamento, homenageando seus protagonistas, dentro da diversidade de credos, filosofias, ideologias, concepções de vida, gênero, raça, etnia, opção sexual, consciência, comportamento...
As instituições parceiras neste modesto ato, mas de grande relevância para a afirmação da cidadania (a Subsecretaria de Ações de Cidadania de Corumbá e o Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário), ousaram tentar um momento de reconhecimento sincero, mesmo sabendo dos riscos de não agradar a todo(a)s, pois não são poucos os potenciais candidato(a)s a esta homenagem – não aqueles que querem se autoproclamar (um direito, que, aliás, lhes assiste), mas os que, no anonimato e sem qualquer interesse secundário, têm feito de sua Vida um constante ato de servir ao próximo de forma sincera, espontânea e sobretudo concreta.
Lamentamos, inclusive, não ter sido possível incluir a todo(a)s dentro destes 60 homenageado(a)s de hoje. Vários foram os fatores, mas o que mais sopesou, sem dúvida, foram os argumentos enviados pelos dirigentes de entidades na defesa deste ou daquele nome, além do fato de alguns dos nomes lembrados estarem diretamente envolvidos no processo de organização do evento.
Por outro lado, a razão maior desta iniciativa – de generosa inspiração do grande militante das causas maiores Arturo Castedo Ardaya – não é outra que reconhecer publicamente a conduta solidária e exemplar do(a)s homenageado(a)s para incentivar, motivar e reforçar a prática da fraternidade, da ética, da solidariedade e sobretudo da defesa intransigente dos maiores valores de uma sociedade que se pretende evoluída, democrática e libertária, por meio do exercício da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Enfim, tal como 60 anos atrás corajosos protagonistas (muitos deles anônimos) escreveram esta generosa página para a posteridade, ignorando os incrédulos e zombeteiros de plantão, hoje cidadãs e cidadãos aqui reunidos para celebrar a prática da civilidade, por meio de atos concretos de nosso(a)s homenageado(a)s, têm consciência do compromisso de renovar as generosas convicções de nossos antecessores, cujo legado maior é a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Que nos próximos 60 anos os corumbaenses que então se encontrarem numa noite de valorização da espécie humana por meio do reconhecimento de seus contemporâneos que tiverem abraçado a luta por uma humanidade mais fraterna, solidária e generosa, consolidem os sagrados princípios de concórdia e paz entre os seres humanos e demais seres viventes sobre a face da Terra consignados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Ahmad Schabib Hany

sexta-feira, 18 de julho de 2008

CONFERÊNCIA REGIONAL DE DIREITOS HUMANOS DO PANTANAL

PRIMEIRA CONFERÊNCIA REGIONAL DE DIREITOS HUMANOS DO PANTANAL
Grupo de Trabalho Regional do Pantanal – Corumbá (MS)

RELATÓRIO DA CONFERÊNCIA
Consoante com as recomendações do Grupo de Trabalho Estadual da Conferência de Direitos Humanos de Mato Grosso do Sul, o Grupo de Trabalho Regional do Pantanal – integrado por representante do Poder Executivo de Corumbá, psicóloga Cristiane Ligier de Jesus Oliveira, da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (SEMTAS); Poder Judiciário, juiz de Direito Roberto Ferreira Filho, da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Corumbá; Poder Legislativo de Corumbá, vereador Carlos Alberto Machado; Poder Legislativo de Ladário, vereadora Delari Botega Ebeling; SINPAF (Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Instituições de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário, Seção Sindical de Corumbá), professora Mirane dos Santos Costa, e FORUMCORLAD (Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário), Ahmad Schabib Hany, coordenador-adjunto da Organização de Cidadania, Cultura e Ambiente (OCCA) –, coordenou desenvolvimento das atividades relativas à Conferência Regional de Direitos Humanos do Pantanal, realizada na segunda-feira, dia 10 de maio, das 9 às 18 horas, no auditório da Escola Estadual Júlia Gonçalves Passarinho (rua Dom Aquino, 405, centro, Corumbá), ocasião em que foram tratadas questões inerentes à efetivação do Sistema Nacional de Direitos Humanos, mediante a realização de palestra de abertura, painel, grupos de discussão e plenária final, com um total de 78 participantes inscritos.
Palestra de abertura
Após a composição da mesa de abertura – da qual participaram o doutor Roberto Ferreira Filho, juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Corumbá; professora Ivani I. da Cruz, da Secretaria Municipal de Assistência Social de Ladário; senhora Regina Célia Rachel, do Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Instituições de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário, Seção Sindical de Corumbá, e professor João Carlos Parejas Urquidi, diretor da Escola Estadual Júlia Gonçalves Passarinho –, foram iniciados os trabalhos, com a palestra do doutor Roberto Ferreira Filho, que, diante da complexidade do arcabouço jurídico que trata das prerrogativas do cidadão constantes da Declaração dos Direitos do Homem, deu ênfase ao caráter inovador da legislação brasileira destinada à população infanto-juvenil, conforme preconizam a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal 8069/90). Nesse contexto, expôs sobre os direitos da criança e do adolescente, adoção, família substituta, crianças e adolescentes em conflito com a lei e medidas sócio-educativas.
Painel
Com uma homenagem póstuma ao adolescente Maximilan Paz de Oliveira, vítima de violência juvenil, foram chamadas para apresentar painel sobre a fragilidade do sistema de garantia de direitos na região: a senhora Mary Paz de Oliveira, mãe de Maximilan, dedicada à disseminação da cultura da paz, que reivindicou novos paradigmas de segurança pública na região e tratamento condigno a todos os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) nas instituições conveniadas; a psicóloga Suzete dos Santos Bezerra, do Ministério Público Estadual, que questionou a lógica de funcionamento da rede local de serviços voltados para a inclusão social, geração de renda e sistema de garantia de direitos da população infanto-juvenil, motivada pela distribuição de verbas públicas e não pela real demanda; e a educadora social Zilda Maria Borges, do Movimento Nacional de Pessoas Atingidas pela Hanseníase (MORHAN) e integrante da coordenação da IDEA (Associação Internacional para a Integração, Dignidade e Progresso Econômico), que defendeu o acesso pleno às políticas de saúde e de direitos humanos às pessoas com seqüelas segregadoras de patologias como hanseníase, aids, tuberculose e ostomias.
Durante o debate que se seguiu à palestra e ao painel, fizeram intervenções: Regina Célia Rachel, do SINPAF; Anísio Guilherme da Fonseca, membro da OCCA, do STFBUMSMT (Sindicato dos Trabalhadores Ferroviários de Bauru, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso) e do Conselho Municipal de Saúde de Corumbá (CMS); Rosa Maria Câncio Xavier, membro do SIMCOR (Sindicato dos Servidores Municipais de Corumbá), do CMS e vice-presidente do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS), e Johonie Midon de Mello, da Cidade Dom Bosco (CDB) e do Conselho Gestor de Saúde da Sociedade Beneficência Corumbaense (CGS/SBC).
Exposição sobre o SNDH
Em seguida ao almoço, a professora Mirane dos Santos Costa, do SINPAF (entidade-membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, MNDH), fez breve exposição sobre o Sistema Nacional de Direitos Humanos (SNDH), tendo destacado a interdisciplinaridade, efetividade, participação cidadã, resolutividade, pluralidade, eqüidade e universalidade desse sistema, fruto das conquistas da sociedade civil, e que, a exemplo do Sistema Único de Saúde e mais recentemente o Sistema Único da Assistência Social, vem dar resposta às demandas dos amplos setores da população, cujo acesso à cidadania deve ser assegurado com a consolidação do conjunto dessas políticas.
Feitos os esclarecimentos pertinentes ao Sistema Nacional de Direitos Humanos e ao seu processo de efetivação por intermédio das Conferências de Direitos Humanos em fase de realização nas três instâncias, a coordenação dos trabalhos deu encaminhamento ao processo de análise da situação mediante grupos de discussão dentro da plenária, tendo sido chamadas as senhoras Mirane Costa, Cristiane Ligier Oliveira e Rosa Xavier para auxiliar no registro para a relatoria. Na oportunidade, o advogado Luiz Carlos Dobbes, membro do Conselho Subseccional da Ordem dos Advogados do Brasil, apresentou-se à plenária, comunicando que a entidade não havia tomado conhecimento da realização da Conferência Regional de Direitos Humanos do Pantanal, ao que, em nome do Grupo de Trabalho Regional, Ahmad Schabib Hany esclareceu que foram enviados os convites a todas as entidades constantes da relação oficial do cerimonial da Prefeitura Municipal de Corumbá, além do que o membro da Comissão de Direitos Humanos da Seccional de Mato Grosso do Sul, advogado Lairson Palermo, havia comunicado a todos os membros das respectivas comissões locais de Direitos Humanos da OAB da importância de participar das conferências regionais, além do fato de que a mídia local havia divulgado com anterioridade a realização do evento, e como ato de desagravo pela falha de comunicação propôs a inclusão do representante da entidade no Grupo de Trabalho Regional do Pantanal, que foi aprovada por unanimidade. Na seqüência, fizeram intervenções os seguintes participantes: Mary Paz de Oliveira, Anísio da Fonseca, Priscila Adélia Benzi (do eixo de Protagonismo Juvenil, da Comissão Municipal de Combate à Exploração e ao Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes), Ahmad Schabib Hany, Regoberta Martinez (da Comunidade de São Vicente de Paulo, vice-presidente do Conselho Gestor de Saúde da Unidade Básica de Saúde da Popular Velha – CGS/PV – e membro do CGS/SBC), Yuri Ojopi Gaone (Escola Municipal Clio Proença), Lineisi Auxiliadora Amarílio dos Santos (Unidade de Apoio para a Inclusão de Corumbá), Norma Taciana Ramos (representante do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Corumbá – SINTED –, membro do CGS/SBC, Conselho Municipal de Educação – CME –, Organização Mundial para a Educação Primária – OMEP – e Unidade de Apoio para a Inclusão de Corumbá), Ivani da Cruz (Secretaria Municipal de Assistência Social de Ladário), Luiz Carlos Dobbes (OAB de Corumbá) Antônio Arantes Sobrinho (do SINPAF), Gueisi Aliendre Silva (SEMTAS), Ruth Marciano Esnarriaga (Centro Padre Ernesto de Promoção Humana e Ambiental – CENPER –, vice-presidente do CMS e membro do Conselho Municipal do Bolsa-Escola Federal) e Johonie Midon de Mello.
Propostas aprovadas
1) Políticas de inclusão étnica (no contexto da comunidade remanescente dos guató, cuja aldeia Uberaba, localizada na Ilha Ínsua, encontra-se em fase de implantação de serviços públicos): a) a não segregação, em razão da origem, no acesso aos serviços públicos (que a ascendência deixe de ser fator de entrave para o desenvolvimento coletivo ou até individual); b) implementação de ações de governo que fomentem o desenvolvimento sustentável da comunidade guató, bem como das demais populações originárias; c) demarcação das terras historicamente ligadas à população guató; d) educação bilingüe, de modo a assegurar o resgate da língua como fator de unidade etno-cultural; e) seja desenvolvido um programa de saúde que resgate os procedimentos avoengos agregados aos avanços tecno-científicos nesse contexto; f) a adoção de uma política afirmativa no sentido da inclusão racial seja acompanhada de políticas intersetoriais que efetivem a elevação das condições materiais de vida dos remanescentes guató, afrodescendentes e imigrantes de países vizinhos, como Bolívia e Paraguai.
2) Políticas públicas de proteção dos direitos laborais: a) com os impactos da globalização, seja garantida a manutenção de direitos laborais já conquistados, bom como efetivamente combatidos o trabalho infantil, o trabalho informal, o trabalho clandestino na faixa de fronteira e o fluxo migratório para fins de trabalho, com a competente conjunção de esforços das diferentes instituições que atuam nesse contexto; b) seja realizado pela SEMTAS um diagnóstico das relações de trabalho na região, em razão dos impactos das reformas e privatizações ocorridas; c) sejam implantadas e implementadas políticas afirmativas para o exercício de atividades profissionais e econômicas nas regiões de fronteira internacional, de modo a regularizar a situação dos trabalhadores clandestinos ou informais nos dois lados da fronteira (por exemplo, o Tratado de Roboré, com a Bolívia, assegurava a proteção dos cidadãos brasileiros em território boliviano, e vice-versa, mas depois da flexibilização promovida pelo governo Collor, perderam-se essas garantias).
3) Políticas públicas de afirmação dos direitos das populações de fronteiras internacionais para a efetiva integração das comunidades fronteiriças: a) seja assegurado o acesso (e sem morosidade) a direitos já constantes da legislação a imigrantes que residem há mais de cinco anos e que já constituíram família no Brasil, no sentido de terem sua vida e a de seus descendentes regularizada (naturalização, acesso ao mercado de trabalho formal, ao Sistema Único de Saúde sem taxas adicionais, ao exercício profissional, com o reconhecimento do diploma de formação universitária a brasileiros egressos em instituições estrangeiras); b) mediante a implementação de políticas públicas específicas para a população de fronteira, sejam criados mecanismos efetivos para o equacionamento de problemas fronteiriços, que tumultuam o cotidiano das pessoas nos dois lados das localidades em fronteiras internacionais (com base no resgate e efetivo cumprimento de direitos constantes em acordos bilaterais ou multilaterais, como o Tratado de Roboré, com a Bolívia, além do Mercosul), no intuito de serem minimizadas questões em atividades econômicas como o comércio fronteiriço, a pesca profissional, o fluxo de táxis e ônibus circulares, bem como na proteção ao trabalhador estrangeiro residente em faixa de fronteira e na preservação de bens como veículos roubados em território brasileiro e a rigorosa punição aos receptadores que atuam na outra margem da fronteira); c) no âmbito da chancelaria brasileira, serem empreendidos ações diplomáticas para a implantação de legislação comum nas áreas ambiental, laboral, econômica, justiça e segurança pública e de integração sócio-cultural.
4) Políticas públicas para efetivar direitos da população infanto-juvenil: a) enfrentamento à violência juvenil com a implementação de iniciativas como o fomento da cultura da paz, mediante o desenvolvimento de programas sociais para o fortalecimento do núcleo familiar, em que estejam articuladas as políticas de educação, saúde, assistência social, formação profissional, geração de renda, esporte, cultura e lazer); b) combate à violência sexual contra crianças e adolescentes, com base na efetivação da rede de proteção jurídico-social para o fortalecimento do sistema de garantia de direitos da população infanto-juvenil (nesse sentido, sejam conjugados esforços para executar as metas prioritárias do Plano Operativo Local do PAIR – Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento da Violência Sexual contra a População Infanto-juvenil em Território Brasileiro –, a implantação de Centro Integrado para o Atendimento Integral da Criança e do Adolescente e de Delegacia de Atendimento da Criança e do Adolescente); c) seja assegurado, pelo gestor municipal, efetivo investimento com recursos próprios para a implantação de uma política local de direitos humanos destinada à população infanto-juvenil; d) avaliação, pelo controle social, dos programas, projetos, serviços e ações direcionados para o público infanto-juvenil, no intuito de assegurar efetividade, resolutividade, intersetorialidade e otimização dos recursos públicos nele investidos; e) implementação, no âmbito das políticas de saúde e educação, de ações voltadas para a população juvenil em áreas temáticas da sexualidade, prevenção de DST/aids e substâncias psicoativas; f) implementação de campanhas de apoio ao núcleo familiar e de sensibilização para a adoção de crianças com mais de oito anos em situação de abandono ou fragilização; g) inclusão dos direitos humanos como tema transversal da grade curricular do ensino fundamental, médio e universitário, a fim de se fomentar postura ética e solidária das novas gerações; h) seja assegurada a execução orçamentária das metas previstas para a efetivação das garantias de direitos da população infanto-juvenil; i) implantação de programa de inclusão digital no âmbito das políticas destinadas à população infanto-juvenil, como mecanismo de fortalecimento da formação humana, profissional e cidadã.
5) Políticas públicas articuladas para a segurança pública: a) desenvolvimento de mecanismos que ofereçam maior capacidade de intervenção da sociedade civil na formulação, acompanhamento e fiscalização da política de segurança pública, de modo a otimizar os recursos destinados ao setor, assegurando maior resolutividade, transparência, fomento da inteligência e maior distanciamento da cultura armamentista das corporações policiais; b) estímulo às iniciativas regionais para maior integração com as corporações policiais fronteiriças, a fim de assegurar maior eficácia na repressão ao tráfico de veículos roubados ou furtados em território nacional; c) fomento à cultura do respeito aos direitos humanos no âmbito das corporações policiais, com a valorização e reconhecimento público dos profissionais do setor engajados em ações afirmativas nesse sentido; d) seja implantado, em cada unidade carcerária, programa baseado em atividades ocupacionais, associativas e de formação humana e profissional; e) implantação de uma política permanente de capacitação de policiais, agentes penitenciários, operadores de direitos e multiplicadores no contexto dos direitos humanos, de modo a garantir novas atitudes dos setores direta ou indiretamente ligados à segurança pública; f) mobilização para a mudança da lei de repressão ao crime de narcotráfico, de modo que os bens apreendidos ou desapropriados de traficantes condenados sejam destinados ao financiamento de projetos ou ações para a prevenção e desintoxicação de usuários de substâncias psicoativas nas localidades onde foi cometido ou flagrado o crime.
6) Políticas públicas articuladas para efetivar os direitos da população idosa: a) ampliação para meio salário-mínimo per cápita da renda mínima familiar do teto exigido para a concessão de benefício de prestação continuada ao idoso não contribuinte da previdência social; b) estruturação e articulação da rede intersetorial de atendimento e proteção jurídica da população idosa, com o correspondente estímulo à participação cidadão, fomentando a criação de entidades representativas do segmento, atualmente orientadas pela cultura do filantropismo; c) efetivação do controle social das políticas intersetoriais em implementação, com a necessária valorização dos Conselhos do Idoso, de caráter deliberativo e paritário, cuja representação não governamental seja eleita em foro próprio, sob a supervisão do Ministério Público, em analogia aos demais conselhos destinados ao controle social das políticas públicas sociais; d) implementação dos centros de convivência para idosos, com atividades em período integral; e) maior visibilidade, pelo Ministério Público, da apuração das denúncias de casos de abandono de idosos.
7) Políticas públicas articuladas para assegurar a inclusão social e efetivar os direitos das pessoas com necessidades especiais: a) implantação e implementação, em nível local, de políticas (programas, projetos, serviços e ações) intersetoriais voltadas à população com necessidades especiais (pessoas com deficiências, portadores de necessidades educativas especiais e portadores de patologias, como ostomizados, renais crônicos, pessoas atingidas pela hanseníase, soropositivos e usuários de substâncias psicoativas), de modo a assegurar-lhes acessibilidade, qualidade de vida e exercício pleno da cidadania; b) implementação de programas de inclusão do jovem PNE no mercado de trabalho; c) seja cumprida, em caráter de urgência, a legislação que garante a acessibilidade às pessoas com deficiências visuais, auditivas e de locomoção, sobretudo nas vias e logradouros públicos e no transporte coletivo (ônibus adaptado), cujo descumprimento atenta contra o direito de ir e vir desse público; d) disponibilização, pelo gestor estadual e municipal de saúde, de serviço de concessão de órteses e próteses, no intuito de assegurar a dignidade das pessoas que, por falta de opção, acabam se tornando reféns da filantropia oficiosa que trata como favor um direito consignado em lei; e) fixação em cinco por cento do orçamento do município para o financiamento das políticas de assistência social (vinte por cento do qual seja destinado às políticas de inclusão de pessoas com deficiência); f) implantação de um programa de capacitação permanente para profissionais do serviço público voltados para o atendimento desse segmento populacional; g) aplicação e cumprimento imediato, pelo gestor municipal, das disposições constantes da Lei Orgânica da Saúde, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei Orgânica da Assistência Social relativas às pessoas com necessidades especiais, tanto no financiamento como na garantia de direitos já conquistados.
8) Participação cidadã e efetivação do controle social das políticas públicas: a) os gestores de políticas púbicas (nas três esferas de governo) assegurem, fortaleçam e estruturem os conselhos de controle social de políticas públicas para a efetiva fiscalização de sua execução orçamentária, otimização dos recursos nelas investidos e sobretudo a necessária resolutividade junto à população destinatária; b) construção participativa das políticas públicas, com base em informações consistentes produzidas por diagnósticos de instituições de pesquisa com o efetivo acompanhamento dos respectivos conselhos de controle social, para assegurar que os programas, projetos, serviços e ações sejam frutos das reais demandas da sociedade e que não venham sofrer solução de continuidade; c) seja assegurado fluxo de informações com base no banco de dados do gestor da saúde, bem como de instituições como a Pastoral da Criança, Comissão Pastoral da Terra, Centro de Referência de Estudos da Infância e Adolescência (CREIA) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), de modo a que o controle social possa monitorar e contribuir para efetivar as políticas públicas locais; d) implantação do Conselho Municipal de Direitos Humanos, de caráter deliberativo e paritário, cuja representação não governamental seja eleita em foro próprio, sob a supervisão do Ministério Público, a exemplo dos demais conselhos destinados ao controle social das políticas públicas sociais, e que tenha como atribuições a aprovação da política municipal de direitos humanos (com base nas deliberações da Conferência Municipal de Direitos Humanos e no estrito cumprimento do Sistema Nacional de Direitos Humanos), o acompanhamento do plano municipal de direitos humanos e a fiscalização do Fundo Municipal de Direitos Humanos, destinado ao financiamento dos programas, projetos, serviços e ações pertinentes; e) implantação, em nível local, de política de inclusão digital destinada a todos os segmentos populacionais, com o propósito de ampliar o acesso às novas tecnologias, à informação e à cidadania; f) os conselhos de controle social de políticas públicas empreendam uma ação articulada junto aos seus respectivos gestores para que os espaços escolares possam, aos finais de semana e feriados, abrigar atividades de cidadania, no contexto de todas as políticas públicas aludidas; g) a sociedade organizada e conselhos de controle social de políticas públicas desenvolvam ações articuladas para garantir o acesso à informação da coletividade por meio de toda a mídia, inclusive rádios comunitárias, e, em vista de ser o acesso à informação um dos direitos humanos inalienáveis, seja implantada uma rede alternativa de comunicação, voltada para as informações inerentes aos direitos humanos e cidadania; h) construção da agenda local de direitos humanos, com a participação dos setores organizados da sociedade, conselhos de controle social de políticas públicas e respectivos gestores no intuito de, em um ano, ter estruturado em nível local o Sistema de Direitos Humanos; i) mobilização de diferentes segmentos da sociedade para implantar, no âmbito do município, políticas públicas e assegurar cidadania e dignidade aos homossexuais, que continuam a ser vítimas da exclusão por causa de sua orientação sexual.
9) Políticas públicas para o desenvolvimento sustentável: a) o gestor municipal das políticas de meio ambiente e desenvolvimento sustentável assegure o funcionamento autônomo e pleno do Conselho Municipal de Meio Ambiente e, no estrito comprimento da legislação federal, ofereça as condições para que os diferentes segmentos sociais e econômicos participem da construção da Agenda 21 local, bem como da elaboração do Plano Diretor do Município, Lei do Uso do Solo e Lei de Normatização de Transporte e Trânsito, como preconiza o Estatuto da Cidade; b) além da participação efetiva da população nas decisões referentes ao desenvolvimento local, seja assegurado o acesso à informação sobre benefícios e malefícios ambientais, sanitários, sociais, econômicos e culturais decorrentes da execução de empreendimentos a serem implantados na região com características peculiares, seja mediante a realização de audiências públicas ou pela instituição de lócus de controle público, nos termos da legislação ambiental; c) o gestor das políticas ambientais, nas três esferas de governo, em parceria com as instituições de ensino e pesquisa e organizações não governamentais implementem uma política permanente de educação ambiental, de modo que amplas camadas da população tenham acesso às informações sobre os bens naturais não renováveis e a sua importância para assegurar qualidade de vida à humanidade; d) que o poder público implemente política de produção com assistência técnica, armazenamento, abastecimento, transporte, vias de acesso e comercialização aos produtores familiares de projetos de assentamento e comunidades tradicionais do Pantanal; e) seja implantada política pública para fomentar o associativismo do segmento da população que sobrevive da coleta de material reciclável dos lixões; f) divulgação das áreas de preservação permanente pelo poder público e sua respectiva fiscalização; g) a saúde ambiental seja priorizada pelo gestor municipal, ao lado do saneamento ambiental.
Corumbá (MS), 10 de maio de 2004.


Organização: Grupo de Trabalho Regional do Pantanal, constituído pelo Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário (FORUMCORLAD), Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Instituições de Pesquisa e Desenvolvimento Florestal (SINPAF), Prefeitura Municipal de Corumbá (Secretaria Geral da Prefeitura e Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social – SEMTAS), Poder Judiciário, Câmaras Municipais de Corumbá e de Ladário.
Apoio: Organização de Cidadania, Cultura e Ambiente (OCCA), Sindicato dos Trabalhadores Ferroviários de Bauru, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso (STFBUMSMT), Pacto Pela Cidadania (Movimento Viva Corumbá) e Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida (Comitê de Corumbá e Ladário).

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Privatização da CESP Paraná, um erro que precisa ser evitado

Hélvio Rech[1]
A decisão do governo paulista de privatizar a CESP Paraná significa a retomada da política que foi responsável pela mais grave crise de energia que o Brasil vivenciou e que culminou com o apagão - uma decisão que muitos acreditavam ser página virada na vida nacional e que surpreendeu diversos setores da sociedade em São Paulo e nos demais estados que integram e compartilham a Bacia do Paraná.
Com 7.456 MW de potência instalada, a CESP Paraná é a maior geradora de energia elétrica de São Paulo. Sua venda é uma operação totalmente inútil para a sociedade, pois dilapida o patrimônio público, provoca desemprego, concentra renda e não acrescenta um único kW novo à capacidade de geração de energia elétrica, num momento que o Brasil precisa construir mais usinas para que o drama do apagão não se repita. Vale lembrar que os compromissos de ampliar em 15% a capacidade de geração dos rios Paranapanema e Tietê, assumidos no edital de venda das usinas desses rios para a iniciativa privada em 1999, jamais foram cumpridos pelas novas controladoras, embora o prazo inicial estabelecido tenha se esgotado em 2007. Como aconteceu no passado, o ônus de um colapso no setor elétrico recairá sobre a população, na forma de racionamento e encargos emergenciais ou temporários.
Para o povo de São Paulo, a venda da CESP Paraná significa também a renúncia à participação do Estado na implementação de uma política ativa para o setor energético e a perda de um instrumento de desenvolvimento regional, como foi a CESP no passado em todas as regiões do estado em que atuou. São Paulo perde a capacidade de influir diretamente sobre o setor mais estratégico, sobre o qual se assenta o desempenho de toda a sua economia.
O governador José Serra pretende alienar 43,31% do capital total da empresa que pertence ao estado e que o torna o maior acionista e controlador da direção da CESP. O valor da transação ainda não foi divulgado e está sendo tratado a sete chaves. Das várias fontes que especulam, aparecem valores entre dois bilhões a seis bilhões de reais, sendo o valor de quatro bilhões de reais, o mais provável. Essa variação é explicada pelos diferentes critérios de avaliação e da modalidade do leilão. A título de informação, o custo para a implantação de novas usinas hidrelétricas gira em torno de US$ 2.000,00 por kW instalado – as usinas do rio Madeira irão custar um pouco mais
[2]. Assim, considerando a capacidade instalada de geração da empresa, as ações controladas pelo governo paulista valem cerca de R$ 11,6 bilhões[3]. Embora a dívida da CESP Paraná seja de R$ 6,5 bilhões, a companhia tem potencial de auferir, indefinidamente, lucros anuais da ordem de R$ 2,0 bilhões.
Conceitualmente, a lógica que orienta a privatização do setor hidrelétrico está na disputa pela apropriação da renda hidráulica, que é a diferença entre o custo de geração das usinas hidráulicas e o preço pago pela venda dessa energia. No caso das usinas do rio Paraná, estas são extremamente atrativas para bancos e demais investidores privados, uma vez que o custo médio de geração de todas as usinas da empresa é da ordem de R$ 40,00 por MWh de energia, contra um preço de venda da energia no mercado livre
[4] em torno de R$ 130,00 o MWh. Isso representa uma renda diferencial (hidráulica) de R$ 90,00 por MWh. Como o parque gerador garante 3.916 MW médios de energia assegurada, essa renda soma R$ 3,52 bilhões anuais. Evidentemente esse é um valor de referência, mas demonstra que a robustez financeira da CESP Paraná é inquestionável: o valor médio da energia gerada pela empresa é pelo menos três vezes superior ao seu custo de geração, o que representa um valor agregado superior ao de qualquer outra atividade produtiva ou aplicação financeira.
Caso se concretize a venda da CESP Paraná, os custos dessa transação recairão sobre o conjunto dos consumidores de energia elétrica do país, pois não existe nenhuma restrição que impeça os futuros controladores da empresa de transferir a energia destinada para o mercado cativo e regulado para o mercado livre, em que poderão auferir lucros fabulosos. Com isso, o mercado cativo será obrigado a comprar energia das novas usinas – mais cara –, o que resultará em novos aumentos de tarifa numa energia que hoje já figura entre as mais caras do mundo, embora fosse uma das mais baratas antes do início das privatizações no setor elétrico. A venda pressionará os preços à alta, vez que os compradores têm pressa de recuperar o capital investido. E o sobrepreço, uma espécie de “imposto compulsório da energia elétrica”, uma vez que todo o valor disposto para arrematar a empresa no leilão será recuperado pelos novos controladores via tarifa, e que incide não apenas sobre consumidores domésticos, mas sobre os custos de toda a produção industrial, elevando o custo Brasil, pressionando a inflação e impactando negativamente toda a economia.
Vale destacar a estranha coincidência de que a proposta de privatização da CESP Paraná, em nenhum momento antes ventilada pelo governo Serra, seja colocada exatamente num momento pré-eleitoral, quando os partidos políticos estão à caça de recursos para financiar suas campanhas.
Se prevalecer a vontade dos interessados na venda da CESP Paraná, em detrimento dos interesses do conjunto dos usuários dos serviços públicos de energia elétrica, os estados integrantes da bacia do Paraná perderão a possibilidade de participar do debate sobre o papel que a CESP Paraná deveria desempenhar no desenvolvimento regional. Durante décadas, a CESP impulsionou – e continua impulsionando – o desenvolvimento do estado de São Paulo, não só fornecendo energia para suas indústrias, como também por suas atividades de pesquisa e desenvolvimento e pela atuação de seu quadro de técnicos e engenheiros altamente capacitados, que foram envolvidos em projetos de desenvolvimento do lado paulista das regiões interioranas das bacias do Tietê e do Paranapanema. Exemplo disso são as regiões da Alta Sorocabana e Araçatuba, entre outros.
Estes benefícios não foram sentidos nos lados sul-mato-grossenses e paranaenses da bacia, que tiveram parte de seus territórios inundados pelos reservatórios das usinas, mas esta realidade deveria mudar, vez que estes estados, pelo princípio dos entes federados que compartilham ambientes e recursos comuns, têm o direito de discutir o futuro da CESP Paraná e apontar cominhos que diminuam as diferenças regionais. Este sonho pode estar mais próximo que nunca. As possibilidades de esses estados terem uma participação mais ativa na gestão dos recursos da bacia do Paraná – e na apropriação dos benefícios proporcionados pela exploração do potencial hidráulico do rio Paraná – aumentam com a proximidade do fim do período das concessões das usinas do rio Paraná (UHE Porto Primavera, 2008; UHE Jupiá, 2015 e UHE Ilha Solteira, 2015). Nunca é tarde lembrar que decisões importantes e estratégicas, que atingem mais de uma geração não podem ser tomadas pelos governantes de plantão, sem um amplo debate com a sociedade.
Portanto, é o momento de corrigir uma distorção histórica e reafirmar que a energia gerada no rio Paraná deve atender ao serviço público e não ser colocada a serviço das empresas comercializadoras de energia, que buscam apenas especular com os preços para auferir lucros cada vez maiores, em detrimento dos interesses dos usuários da energia. A magnitude da energia gerada pelas usinas do rio Paraná a preços relativamente baixos – uma vez que os investimentos iniciais já estão praticamente amortizados – permite que elas funcionem como um colchão, capaz de conter a alta dos preços que tende a ocorrer a partir da entrada em operação das novas usinas que, inevitavelmente produzirão energia a preços mais caros, seja pela elevação dos custos dos insumos, materiais e equipamentos, seja pela necessidade de recuperar os investimentos feitos para sua construção.
Além disso, não podemos esquecer que a CESP desenvolveu, ao longo de décadas, uma expertise sem igual na área da geração de energia hidrelétrica (engenharia, projetos, planejamento e meio ambiente). Construída com recursos públicos, essa expertise tem de ser colocada a serviço do desenvolvimento energético nacional, da exploração de novos potenciais com a necessária proteção do meio ambiente, e também da construção da integração energética latino-americana, em cooperação com demais países como Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Argentina e Uruguai.
Em suma, a CESP Paraná pode e deve desempenhar um papel mais ativo no desenvolvimento regional, particularmente nos estados de Mato Grosso do Sul e Paraná, seja pela participação desses estados nos ganhos provenientes da geração de eletricidade, seja pela colocação da capacidade técnica da empresa a serviço da redução das desigualdades regionais, que ainda são fortes especialmente nas regiões do Pontal do Paranapanema, em São Paulo, no Noroeste do Paraná e no Sul e Sudeste de Mato Grosso do Sul.
A CESP Paraná, com sua experiência, capacidade técnica e recursos financeiros, tem muito a contribuir para a exploração dos recursos do rio Paraná considerando seus múltiplos usos – como desenvolvimento do turismo, navegação, agricultura e irrigação –, assim como para garantir a preservação efetiva de áreas de proteção ambiental, como a APA das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná. Nessa região está única área remanescente protegida e que abriga ecossistemas únicos (como o “varjão do rio Paraná”), cuja proteção deve ser compatibilizada com a busca de alternativas de renda e desenvolvimento social para a população local, numa perspectiva que integre desenvolvimento regional e proteção ambiental.
[1] Mestre e doutorando em energia pela USP. Especialista em regulação de serviços públicos concedidos (FIPE-USP/Unicamp/EFEI). Foi diretor da APA das Ilhas e Várzeas do rio Paraná – IBAMA. E.mail: hrech@usp.br. Atualmente é o coordenador-técnico da OCCA Pantanal.
[2] Utilizar como critério os custos próximos ao das usinas do rio Madeira faz sentido, uma vez que esse custo tende ser a regra, dado que os potenciais ainda não explorados têm características semelhantes, como a distância dos centros consumidores. Considerando a capacidade instalada de 7.456 MW, o valor da CESP Paraná seria de R$ 26,8 bilhões.
[3] Levando-se em conta o dólar cotado em R$ 1,80.
[4] O preço da energia no mercado livre tem apresentado grande variação: Para o subsistema Sudeste/Centro-Oeste, o preço na semana de 26 de janeiro a 1º fevereiro, foi de R$ 550,28; na semana seguinte, R$ 255,91. Com as chuvas dos últimos dias, caiu para R$ 150,00. Já no leilão da Usina Hidrelétrica do Rio Madeira, em 10 de dezembro de 2007, foi ofertada a R$ 78,90 MWh pelo consórcio vencedor. No entanto, analistas projetam um valor estável de R$ 130,00 em 2010-2012.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

No olho do furacão, sob a mira do ufanismo

Reza a lenda que Corumbá, no coração do Pantanal Mato-grossense e do subcontinente sul-americano, teria sido amaldiçoada por ninguém menos que um generoso frade capuchinho, o Frei Mariano, que vivera o clímax da Guerra da Tríplice Aliança em solo pantaneiro e que no pós-guerra de 1870 se dedicara a cuidar de órfãos e viúvas, mas que, vítima da disputa entre a Igreja e a Maçonaria, acabara difamado e, à revelia, transferido ao interior de São Paulo, onde se suicidara mais tarde. A bizarra lenda em que alegóricas sandálias teriam sido enterradas para eternizar tal maldição – a representar outro linchamento moral, post-mortem, do sacerdote franciscano – foi difundida numa cartilha que circulou pelo então ainda próspero centro comercial na primeira metade do século 20, como uma infame tentativa de justificar o anacronismo e a miopia das elites diante da falta de estratégias para a superação da crise iminente do maior pólo comercial do interior da América do Sul.
Quase sessenta anos depois, transcorrido um período de indisfarçável (des)compasso de espera entre os discursos ufano-desenvolvimentistas reciclados de paladinos efêmeros e as teses realistas de estudiosos comprometidos tão-somente com a honestidade científica aliados às demandas corajosas de movimentos sócio-ambientais sinceros, o que resta de cosmopolitismo e altivez do outrora porto-livre do coração da América do Sul converteu-se em palco de uma aparvalhada batalha em que autoproclamados arautos, de diatribes conspiratórias e de maniqueísmo incorrigível, insistem em arranjar bodes expiatórios para tamanha iniqüidade histórica – desta vez parodiando o discurso dos caçadores de comunistas do pós-guerra de 1945 com aviltantes bravatas de que dirigentes e voluntários do terceiro setor (organizações não governamentais) estariam conspirando contra o desenvolvimento do coração do Pantanal e atentando contra a soberania nacional. Coincidentemente, nesse meio-tempo, ganhou destaque a lenda das sandálias do Frei Mariano, quer como peça de teatro, quer como samba-enredo de entidade carnavalesca, mas num contexto em que se evidencia o leviano propósito de deslegitimar qualquer opinião diferente, divergente ou antagônica à proposta requentada dos tempos getulistas de pólo siderúrgico, ora com o eufemismo de Zona de Processamento de Exportações, ora com o rótulo de Pólo Gás-químico ou Minero-siderúrgico.
Como membro de uma ONG sócio-ambiental de perfil comunitário fundada e consolidada no olho do furacão, sob a mira do ufanismo, confesso ter ficado preocupado com a integridade física dos generosos e corajosos estudiosos que foram alvo de uma ensandecida campanha difamatória, precisamente no ápice dessa atabalhoada verborragia intolerante e desprezível dos que, na falta de argumentos razoáveis e racionais, partiram para a prática fascista da negação do contraditório, de fazer inveja aos mais recalcitrantes títeres da virulência obscurantista que envergonha a espécie humana. Graças à postura irretocável dos representantes locais do Ministério Público Estadual, da Procuradoria da República, da Polícia Federal e do Poder Judiciário, de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e de jornalistas éticos dignos do maior reconhecimento público (cujos nomes são preservados para não torná-los alvo de retaliações), dentro e fora do estado de Mato Grosso do Sul, foi possível assegurar um mínimo de respeito pela dignidade humana a esses cidadãos da maior autoridade moral e técnico-científica. E, justiça seja feita, meu reconhecimento sincero a um diminuto número de empresários locais de grande espírito público, alguns dos quais ainda sem ter qualquer mandato representativo de entidade classista para resguardar-se na potestade inerente a uma função pública.
Por certo, a experiência e a maturidade cidadã de muitos desses pesquisadores foi fundamental para transpor as provocações próprias dos tempos odiosos dos regimes de arbítrio que assolaram países latino-americanos, de triste memória, quando uma caricata mobilização ganhou proporções inusitadas no emblemático Dia Internacional do Trabalhador, chegando à linha divisória internacional entre o Brasil e a Bolívia, em Corumbá. É, no mínimo, bizarro o fato de representantes de órgãos oficiosos não dissimularem – e ostentarem até – o apoio institucional a tal façanha, num gesto nada amigável ante um governo constitucional e democraticamente eleito da nação irmã, por conta de uma decisão governamental que nada tem a ver com as demandas locais por desenvolvimento. Indiscutivelmente, o oportunismo de certos agentes políticos dos dois lados da mesma fronteira serviu de combustível para ações incendiárias e admoestações extemporâneas que confirmam a mesma origem antidemocrática, partilhada, aliás, num mesmo período histórico, ainda perceptível.
Órfãos ou viúvos de correntes cinicamente nazi-fascistas que sobreviveram ao segundo quartel do século 20, os paladinos de causas inconfessáveis (muitas vezes vinculados ao crime organizado) travestidos de porta-vozes da livre-iniciativa e do mercado livre nos nada generosos tempos de globalização adotaram um discurso postiço, nada convincente, de arautos da justiça social no exuberante, mas excludente, coração do Pantanal. Embora todos tivessem o pleno direito de lutar por interesses legítimos, diga-se de passagem, a arrogância e a leviandade com que tentaram impor seus pontos de vista – usando truculência explícita e poder econômico sobre os que racionalmente procuram alternativas exeqüíveis para um sólido e consistente desenvolvimento sustentável no contexto do que é preconizado pela Carta da Terra e pela Agenda 21 – empobrecem e invalidam o necessário desenvolvimento do processo civilizatório da humanidade assentada neste singular território de riquezas incomensuráveis, desde sempre, dos dois lados desta fronteira de povos irmãos.
A despeito das vis agressões e das campanhas difamatórias, o terceiro setor tem dado eloqüentes provas de generosidade e compromisso com a vida em todos os quadrantes do planeta, seja na defesa dos recursos naturais, na afirmação do protagonismo cidadão, na inclusão social ou mesmo na preservação da identidade cultural ou do Estado de direito. Senão, vejamos: mesmo com todas as tentativas levianas de deslegitimar suas ações pioneiras, não foram senão as ONGs as que corajosamente não só assumiram para valer como implementaram as iniciativas de interlocução que ganharam a denominação de Plataforma de Diálogo – fórum pelo qual membros do terceiro setor vêm pactuando de forma inovadora e sensata com o segundo setor no sincero intuito de fazer avançar os mecanismos institucionais de proteção ambiental causado pelo delicado processo de licenciamento de empreendimentos industriais em Corumbá. Por outro lado, são as ONGs as que decididamente têm chegado onde o Estado ainda não assumiu suas prerrogativas, preservando contingentes humanos do assédio de quadrilhas organizadas que se valem da ausência institucional para ampliar seus tentáculos e estender suas teias delinqüentes sobre populações inteiras, que viram reféns dos criminosos e dos servidores públicos corruptos, de todos os poderes e escalões, cooptados por eles.
No dizer do inigualável sociólogo brasileiro Herbert de Souza, o saudoso Betinho, fundador do pioneiro Instituto Brasileiro de Análises Sócio-Econômicas (Ibase), “não basta dar um prato de feijão; é preciso ser cidadão para conferir cidadania aos 32 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza”. Pois, então, nessa linha de raciocínio, podemos dizer que não basta bradar pela defesa do desenvolvimento da região, mas é fundamental que esse desenvolvimento seja construído sob o império da lei, à luz da ética e da solidariedade universal e com a participação democrática de todos os diferentes atores sociais, para que, ao lado da geração de emprego, a qualidade de vida represente, de fato, o progresso que a humanidade almeja, sob pena de que, em duas ou três décadas, sobre, mais uma vez para a população local, a herança maldita de iniciativas feitas para o enriquecimento de alguns que sequer ficarão para sentir as conseqüências dos estragos deixados (as voçorocas expostas, os rios contaminados, a vegetação nativa degradada e a fauna dizimada) para as próximas gerações de pantaneirinhos que absolutamente não têm culpa de que seus pais tenham caído mais uma vez na cantilena esperta das sereias de águas turvas e solos contaminados...
Schabib Hany (*)

* É fundador e membro da coordenação-executiva da Organização de Cidadania, Cultura e Ambiente (OCCA), entidade sócio-ambiental sediada no coração do Pantanal (Corumbá, MS), além de membro da coordenação colegiada do Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário (FORUMCORLAD).